sexta-feira, 8 de março de 2019

O SEGUNDO ENCONTRO




As folhas das árvores arranham meu rosto, enquanto me abaixo para me manter na trilha. Apoio as mãos nas pedras ao redor buscando o equilíbrio. O sol brilha mais em alguns pontos do caminho e, pela sua altura no céu, chuto ser quase meio-dia. O suor escorre, mas um cheiro de água e o barulho que ela faz no ouvido me renovam. Antecipo a delícia do mergulho, cada minuto mais próximo. Anseio pelo choque térmico que parece parar o coração por um instante e depois o acelera até o relaxamento total. Imagino um sorriso conhecido e ansioso, como o meu, pelo reencontro.

Vejo-me frente a frente com ele, mas não encontro seu olhar. Vem o escuro e, em seguida, tudo se dissipa e sai voando por alguma janela.

Mente limpa novamente, o espaço vazio entre uma coisa e outra. Uma luz intensa parece entrar pelo centro da minha cabeça. Como se enxergasse a paisagem em volta de olhos fechados. Volto a atenção aos barulhos do entorno, “olha a mente-elefante querendo te pisotear, garota!”. Concentro. Respiro, inspiro, expiro, escuto. Abro os olhos e encontro a paisagem familiar. Agradeço com as mãos em prece à minha árvore favorita, ao céu e depois prego a testa ao chão, um gesto de poder extraordinário.  “O chão me sustenta em todos os momentos”, repito como um mantra ao final da meditação.

Pego o diário e começo a escrever, possuída por ideias que nem sabia ter. A primeira vez que seus olhos pousaram na minha nuca, ela ardeu. Faz tanto tempo. Depois lembro de um bar barulhento, em Santa Tereza, fim de tarde e um olhar luminoso da alegria do encontro genuíno entre duas pessoas. Era para ser um diálogo, ainda que sem palavras, uma troca fluida, uma despreocupação completa com a própria imagem perante o outro. Afinal, se há afeto, importa mais?

Tanta vigilância e regras milimetricamente calculadas roubam meu ar, turvam minha visão, enganam meus ouvidos que tentam encontrar a batida do coração colado ao meu, buscam o pulso exato, querendo decifrar o que se esconde atrás daquela barreira impenetrável. Não consigo. O ritmo do nosso próprio coração só pode ser lido quando a gente deixa.

Levanto a cabeça do registro por uns instantes, procurando as palavras e o sentimento para continuar a escrita. Quando imaginei o segundo encontro parecia simples, até estar lá e navegar com o próprio corpo: lembranças, sensações, expectativas, tocar com as próprias mãos nas árvores, pisar as pedras e experimentar na carne os ossos gelados.

A lua quase cheia, como querendo transbordar, vai ficando mais forte contra os tons de rosa e azul do entardecer de Brasília, em junho. Uma brisa leve, vinda do lago, lembra-me o desperdício do encontro ensaiado e não realizado. No último instante, resolveu não aparecer e mandou um emissário desconhecido com um recado torto, incompreensível. No meio do gramado, com a lua de testemunha, vestida de desejo e consciente de meus medos, dúvidas e angústias, cheguei a me sentir à vontade até com a minha própria fragilidade. “Isso é que é preparar-se para um encontro!” Estava orgulhosa do trabalho realizado para chegar àquele momento. Daí aparece um vulto que, de longe, parece o homem esperado. Mas quanto mais se aproxima, menos o reconheço. Essa imagem, desafortunadamente, não se dissipou. Ao contrário, revelou-se real a ponto de eu poder tocar com minhas mãos no muro erguido entre nós e na solidão do lado de dentro do forte, onde se protegeu, cancelando o encontro.







Um comentário:

  1. Bonito e triste.... as coisas tristes quase sempre são profundas e bonitas... acho que sou meio mazoquista, né?

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