As folhas das árvores arranham
meu rosto, enquanto me abaixo para me manter na trilha. Apoio as mãos nas
pedras ao redor buscando o equilíbrio. O sol brilha mais em alguns pontos do
caminho e, pela sua altura no céu, chuto ser quase meio-dia. O suor escorre,
mas um cheiro de água e o barulho que ela faz no ouvido me renovam. Antecipo a
delícia do mergulho, cada minuto mais próximo. Anseio pelo choque térmico que
parece parar o coração por um instante e depois o acelera até o relaxamento
total. Imagino um sorriso conhecido e ansioso, como o meu, pelo reencontro.
Vejo-me frente a frente com ele,
mas não encontro seu olhar. Vem o escuro e, em seguida, tudo se dissipa e sai
voando por alguma janela.
Mente limpa novamente, o espaço
vazio entre uma coisa e outra. Uma luz intensa parece entrar pelo centro da
minha cabeça. Como se enxergasse a paisagem em volta de olhos fechados. Volto a
atenção aos barulhos do entorno, “olha a mente-elefante querendo te pisotear,
garota!”. Concentro. Respiro, inspiro, expiro, escuto. Abro os olhos e encontro
a paisagem familiar. Agradeço com as mãos em prece à minha árvore favorita, ao
céu e depois prego a testa ao chão, um gesto de poder extraordinário. “O chão me sustenta em todos os momentos”,
repito como um mantra ao final da meditação.
Pego o diário e começo a
escrever, possuída por ideias que nem sabia ter. A primeira vez que seus olhos
pousaram na minha nuca, ela ardeu. Faz tanto tempo. Depois lembro de um bar
barulhento, em Santa Tereza, fim de tarde e um olhar luminoso da alegria do
encontro genuíno entre duas pessoas. Era para ser um diálogo, ainda que sem
palavras, uma troca fluida, uma despreocupação completa com a própria imagem
perante o outro. Afinal, se há afeto, importa mais?
Tanta vigilância e regras
milimetricamente calculadas roubam meu ar, turvam minha visão, enganam meus
ouvidos que tentam encontrar a batida do coração colado ao meu, buscam o pulso
exato, querendo decifrar o que se esconde atrás daquela barreira impenetrável.
Não consigo. O ritmo do nosso próprio coração só pode ser lido quando a gente
deixa.
Levanto a cabeça do registro por
uns instantes, procurando as palavras e o sentimento para continuar a escrita. Quando
imaginei o segundo encontro parecia simples, até estar lá e navegar com o
próprio corpo: lembranças, sensações, expectativas, tocar com as próprias mãos
nas árvores, pisar as pedras e experimentar na carne os ossos gelados.
A lua quase cheia, como querendo transbordar,
vai ficando mais forte contra os tons de rosa e azul do entardecer de Brasília,
em junho. Uma brisa leve, vinda do lago, lembra-me o desperdício do encontro
ensaiado e não realizado. No último instante, resolveu não aparecer e mandou um
emissário desconhecido com um recado torto, incompreensível. No meio do
gramado, com a lua de testemunha, vestida de desejo e consciente de meus medos,
dúvidas e angústias, cheguei a me sentir à vontade até com a minha própria
fragilidade. “Isso é que é preparar-se para um encontro!” Estava orgulhosa do
trabalho realizado para chegar àquele momento. Daí aparece um vulto que, de
longe, parece o homem esperado. Mas quanto mais se aproxima, menos o reconheço.
Essa imagem, desafortunadamente, não se dissipou. Ao contrário, revelou-se real
a ponto de eu poder tocar com minhas mãos no muro erguido entre nós e na
solidão do lado de dentro do forte, onde se protegeu, cancelando o encontro.
Bonito e triste.... as coisas tristes quase sempre são profundas e bonitas... acho que sou meio mazoquista, né?
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